Pagamento de parcela das chaves de imóvel na planta pode gerar transtornos

Dificuldade pode levar até mesmo à rescisão contratual. Dos mil casos recebidos pela ABMH relacionados a construtoras por mês, 25% a 30% referem-se a cancelamento do contrato devido a dificuldades para quitação da dívida

A aquisição de um imóvel na planta ou em construção tem algumas peculiaridades que precisam ser bem entendidas por aqueles que planejam realizar o sonho da casa própria, especialmente quando o pagamento é feito de forma parcelada. Durante a fase de construção, é comum que o comprador dê um valor de entrada, pague algumas parcelas diretamente para a construtora e faça a quitação da unidade na entrega das chaves ou da expedição do “Habite-se”, muitas vezes através de financiamento bancário. O acompanhamento da evolução desta parcela final gera diversas dúvidas ou simplesmente é deixado de lado. O resultado é que pessoas que fizeram a aquisição há mais de 15 meses e estão recebendo as chaves agora encontrem dificuldades em fazer a quitação.

O que muitos podem desconhecer é que a parcela das chaves é reajustada a partir da assinatura do contrato com a construtora, até sua quitação, como informa o consultor jurídico da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH), Ricardo Chiaraba. “As parcelas pagas durante a obra e o saldo final (parcela das chaves) são reajustados, até a data do efetivo pagamento, de forma cumulativa, pelo índice de correção previsto em contrato, usualmente o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV)”, explica.

Quem comprou um imóvel na planta há dois anos, por exemplo, teve a parcela final reajustada em aproximadamente 14%, com isso a ABMH observa um aumento do número de pessoas que não conseguem quitar sua dívida. “Um mutuário que naquela época comprou um imóvel no valor de R$ 250 mil, deu uma entrada de R$ 5 mil e pagou R$ 45 mil durante a obra, com a atualização do índice, ao invés de ter um débito de R$ 200 mil, deve, aproximadamente, R$ 228 mil”, como exemplifica Ricardo.

Além do aumento do saldo devedor por conta da correção do INCC, ou do índice de correção previsto em contrato, a dificuldade em conseguir o crédito habitacional (financiamento bancário) para quitar a parcela das chaves faz com que o mutuário encontre dificuldades em honrar seu compromisso. “Neste período, também pode ter havido a diminuição ou mesmo a estagnação da renda familiar”, completa.

A quitação desse saldo devedor pode ser feita por meio de recursos próprios, utilização do FGTS, financiamento ou consórcio imobiliário. Caso nenhuma destas opções seja viável, para solucionar o problema, a orientação da ABMH é buscar a negociação com a construtora. “A primeira alternativa seria tentar renegociar o saldo devedor em si. Se houve atraso na entrega do imóvel, o consumidor tem o direito a uma indenização, que pode ser compensada no saldo devedor. Outras alternativas são parcelar a diferença entre a parcela final e o montante que o comprador tem disponível com a própria construtora, trocar de unidade ou rescindir o contrato”, aponta Ricardo.

No caso do parcelamento com a própria construtora, o consultor jurídico alerta que esta deve ser uma alternativa somente para os casos extremos. “Afinal, se a quitação é feita através de financiamento bancário ou consórcio, o comprador terá que arcar com a prestação do Banco (ou do Consórcio) e da Construtora ao mesmo tempo”, explica.

Para quem considerar a opção e trocar de unidade, é necessário tomar alguns cuidados, conforme orienta Ricardo. “O mais importante é verificar se o preço da nova unidade se encaixa no orçamento do comprador. Além disso, é preciso verificar qual o prazo de entrega, porque é comum a construtora alterar a data de conclusão da obra no momento da troca.”

Além disso, assim como ocorre na aquisição de qualquer imóvel, é preciso considerar se o tamanho, o número de quartos e de vagas na garagem, a localização, o material de acabamento, dentre outros aspectos, atendem às expectativas. “Por fim, é essencial verificar se o preço do novo imóvel está condizente com o praticado no mercado, se as parcelas pagas pela antiga unidade foram integralmente utilizadas na negociação, e se os valores dessas parcelas foram atualizados na mesma proporção do saldo devedor”, acrescenta.

Se não houve possibilidade de acordo, a saída é o cancelamento do contrato. No país, a ABMH atende, em média, 1.000 casos relacionados a construtoras por mês. Atualmente os casos de rescisão contratual representam 25% a 30% do total de atendimentos. Esse número no ano passado girava em torno de 10%, ou seja, houve um aumento de 150%. “O principal cuidado no caso de rescisão é não se precipitar, tentar uma negociação direta com a construtora, mas não assinar nem aceitar nenhuma proposta antes de ouvir um especialista. Nessas hipóteses, o comprador já está tentando sair de um mau negócio, então, deve tomar cuidado para não fazer outro mau negócio na hora da rescisão”, ressalta o consultor jurídico da Associação.

Ricardo Chiaraba diz que, geralmente, as multas em caso de rescisão são de 10% a 20% do valor do contrato, mas esse percentual deve incidir sobre os valores pagos pelo comprador, cláusulas que preveem a incidência da multa sobre o valor total do contrato são nulas de pleno direito, conforme dispõe o Código de Defesa do Consumidor. “Assim, se não houver acordo, o melhor é procurar a Justiça. Se optar pela via judicial, o comprador pode suspender os pagamentos após o início da ação judicial e não tem risco de o seu nome ser negativado. Embora a ação judicial seja morosa, o comprador deve encará-la como uma poupança forçada, pois o dinheiro será reajustado com juros de 1% ao mês mais correção monetária, a partir do início do processo (ou seja, mais que o dobro do rendimento da poupança comum).”